O xadrez sempre esteve mesclado com a politica.
No reinado dos califas, o xadrez já era tido como preocupação de Estado, com o fim de conferir prestígio aos governantes, e os melhores xadristas eram pagos regiamente para exercer a sua arte.
Um dos maiores enxadristas do século XVI, o padre espanhol Rui López, morava em aposentos contíguos aos do rei Felipe II e tinha como obrigação enfrentar, regularmente, jogadores de países rivais na presença do monarca.
Em 1918, o prodigioso José Raul Capablanca, recebeu um cargo de diplomata, vitalício, do governo de Cuba para divulgar o seu país, jogando xadrez.
Em nenhum país, no entanto, o xadrez confundiu-se com a própria política de Estado como na ex-URSS.
Com o advento da revolução, Lênin, ele próprio um aficionado do jogo, escolheu o xadrez como um instrumento para mostrar a superioridade do homem socialista sobre os seus adversários capitalistas.
No clássico livro do historiador Robert Conquest, "O Grande Terror", sobre os expurgos de Stálin, tem-se um ilustrativo trecho da fala de Krylenko (Comissário do Povo para a Justiça), pág. 271, num congresso de xadrezistas em 1932:
"Devemos terminar de uma vez por todas com esta neutralidade do xadrez. Devemos condenar de uma vez por todas a fórmula ‘o xadrez pelo xadrez’, assim como a fórmula ‘a arte pela arte’. Quando de sua prisão, Krylenko recebeu na Butyrka um tratamento especialmente indigno "para acabar com a sua presunção".
Depois de algum tempo, foi levado para a prisão de Lefortovo, onde desapareceu para sempre. Uma das acusações contra Krylenko foi a de que atrasara deliberadamente, o desenvolvimento do xadrez e que o afastara da vida social e política da nação.
Ele foi executado por esse "crime" em 1940.
Logo depois da segunda guerra mundial, o controle do xadrez e dos xadrezistas da URSS estendeu-se para os países satélites da chamada "Cortina de Ferro", expressão introduzida por Winston Churchill.
Quando o campeão da Ucrânia, Bogatirchuk, aproveitando a confusão reinante no final da guerra, fugiu para o Canadá e escreveu artigos nos quais afirmava que "na URSS o xadrez estava a serviço exclusivo da propaganda soviética, e freqüentemente os resultados obtidos pelos jogadores russos eram decididos pelas autoridades", quem ficou encarregado de responder ao "desertor" foi o Grande Mestre Internacional checo, Ludek Pachman.
No número 173 da revista Chess ele responde com insultos ao campeão ucraniano.
Na época da "Primavera de Praga", em 1968, os seus compatriotas lembraram-se de Pachman e o submeteram à pena de dezesseis meses de torturas e interrogatórios que, segundo ele:
"Causaram-me tão graves lesões à coluna vertebral que fiquei três centímetros menor".
O uso do xadrez como arma política atingiu o auge no cenário da guerra fria, em 1972, quando russos, representados por Bóris Spásski e americanos por Robert Fischer, enfrentaram-se em Reikjaviik, capital da Islândia.
Nos matchs que precederam essa disputa vários jogadores russos sofreram represálias por terem perdido para o xadriezista americano.
Mark Taimanov, campeão russo, foi o primeiro do rol; saiu de Moscovo como franco favorito e, segundo alguns observadores, com "um optimismo um pouco exagerado".
Perdeu o match por 6×0 e com a sua derrota foi lhe retirado o apartamento estatal no qual morava com a família.
O segundo da lista, foi o genial estratega e ex-campeão mundial Tigran Petrossian.
A sua derrota por 6 x 2,5, custou-lhe o cargo de redactor de uma importante revista russa de xadrez.
Em 1980, o apátrida russo, naturalizado suíço, Vitor Korchnoi, credenciou-se no torneio de candidatos para enfrentar o influente deputado do partido comunista, e campeão mundial por decreto, Anatoly Karpov.
Nas vésperas da realização do encontro, o filho de Korchnoi, Igor, foi encerrado no Gulag, mais precisamente no campo de concentração de Kresty.
A FIDE (Federação Internacional de Xadrez), manteve-se impassível, confessando-se "apolítica" e Korchnoi, abalado com o drama familiar foi víctima de Karpov.
Analisando as partidas do match de 1978, Karpov, dificilmente seria campeao do Mundo em outras circustancias menos destabilizadoras para Korchnoi.
Muitos outros exemplos poderiam ser citados, mostrando que existem mais coisas nas sessenta e quatro casas do tabuleiro de xadrez do que se poderia supor.