11/12/07

UM ESTUDO SOBRE MIKHAIL TAL

INTRODUÇÃO:
Mikhail Tal, nascido em 9 de novembro de 1936, em Riga, na Letónia, foi o oitavo Campeão do Mundo oficial de xadrez.


Nos dias de hoje, torna-se dificil imaginar as emoções que desencadeou no meio xadrezistico a aparição de Mikhail Tal.
As victórias do "Mozart do xadrez" foram espectaculares.
Aos vinte anos, converteu-se em Campeão da URSS.
Aos vinte e um, voltou a repetir o feito, assim como venceu o Torneio Interzonal de Portoroz.
Aos vinte e dois, impôs-se no Torneio de Candidatos na ex-Jugoslávia (1959).
Parecia que sempre ia aparecer no primeiro lugar das tabelas da classificação nos torneios que se propunha disputar.
Contudo, o principal, era o seu estilo de jogo.
Antes do "Mago de Riga", tinha sido dificil surpreender o mundo do xadrez com algo de novo.
O estilo agressivo de Tal, implicava a realzação de ataques no tabuleiro não baseados em cálculos exactos, mas sim, na expiração intuitiva e às vezes numa sóbria avaliação da posição.
Isto representava ofensivas com sacrificios, nem sempre justificados, e muitas vezes extremamente arriscados.
Todos as suas acções tinham um elo que as unia; Eram terrivelmente perigosas para os seus oponentes.
Tal, tinha o efeito de um ferro em brasa, pronto a massacrar o inimigo de ocasião com o seu engenho de ataque.
Diante do tabuleiro, a sua lógica de luta quase sempre prevalecia sobre a lógica da posição.
Mais tarde, Tal diria: "Deixemos que as análises post-mortem da partida revelem que o ataque podia ter sido anulado.
Só que, é preciso refutar o ataque agora, com o relógio em andamento.
Não amanhã.
Quem ganha a partida é quem tem razão.
Todo o jogador de xadrez é um guerreiro que deve forjar a sua própria sorte no torneio."
Tal, era dotado de uma fenomenal imaginação, de uma magnifica memória fotográfica e de uma fantástica capacidade de cálculo,
O que dizer resumidamente de Mikail Tal ?
Um génio táctico, muito distinto dos seus predecessores Morphy, Chigorin ou Alekhine.
Possuidor de uma soberba "visão" e de uma confiança inquebrável nas suas possibilidades.
Tal, estava sem sombra de dúvidas, como um extra-terrestre para a maioria dos mestres que tiveram que o defrontar.

Na Olimpiada de Leipzing, Tal somou 11,5 em 15 possiveis.
Houve um português que teve a sorte de o defrontar e embora tenha perdido, até que nem esteve nada mal.


Joaquim Durão (Portugal)- Mikhail Tal
Olimpiada de Leipzing, 1960
ECO: B82/05

1.e4 c5 2.Cf3 d6 3.d4 cxd4 4.Cxd4 Cf6 5.Cc3 e6 6.Be3 a6 7.f4 Dc7 8.Bd3 Cbd7 9.0–0 Be7 10.Rh1 b5 11.a3 Bb7 12.Df3 Cc5 13.Tae1 0–0 14.f5!? e5 15.Cde2 Tad8 16.Cg3 Cxd3 17.cxd3 d5 18.Bg5 dxe4 19.dxe4 Dc4 20.Bxf6 gxf6!?;
Na actualidade, encontramos este tipo de opção aguda em algumas partidas de Alexander Morozevich.

21.Dh5;

[ 21.Tc1 Db3 22.Tf2 Td6 23.Tfc2 Tfd8 24.Cf1 Bf8 25.Dg4+ Rh8 26.Dh5 Td4 27.Dh4 Bg7 28.Dh5 Bxe4 29.Cxe4 Txe4 30.Tc8 Ted4 31.T1c7 Dd3, com vantagem das negras.]

21...Rh8 22.Dh6 Tg8 23.Ch5 Td6 24.Tf3 Bf8 25.De3 a5 26.Tg3 Txg3 27.Dxg3?; De louvar o espirito empreendedor do nosso Joaquim Durão, mas, neste caso não foi a melhor opção e menos ainda contra o génio de Riga.

[ 27.Cxg3 b4 28.Cce2 Td3 29.Db6 Bc6 30.Cg1, com jogo incerto.]


27.Dxg3?; 27.Cxg3

27...b4 28.Cxf6;

[ 28.Cd5? Bxd5 29.Cxf6 Txf6 30.Dxe5 Dc6 31.exd5 Dd6 32.Dd4 Db6 33.Df4 Td6 34.De5+ f6 35.De8 Td8 0:1 ]

28...Txf6 29.Dxe5 Da6 30.axb4 axb4 31.Cb5;

[ 31.Cd5 Bxd5 32.exd5 Dd6 33.Dd4 Dd8 34.b3 Bg7 35.De4 h6 36.g4 Ta6 37.De8+ Dxe8 38.Txe8+ Rh7 0:1]

31...h6 32.De8 Da8 33.De5 Dd8 34.Cc7 Dd6 35.Da5 Bxe4
0–1

Aos vinte e três anos, já estava a disputar o titulo de Campeão do Mundo.
Confiando na agudeza e precisão dos seus cálculos, Tal sempre esteve na disposição de quebrar a maioria das regras estratégicas em troca de um plano de ataque.
No "match" disputado contra Botwinik, que decorreu de 15 de Março a 7 de Maio de 1960, Tal, venceu por um categórico 12,5 contra 8,5 pontos.
O mundo do xadrez da época ficou atónito com a proeza do "Bruxo".
Botwinik, tinha sido Campeão do Mundo, tendo vencido anteriormente Max Euwe, David Bronstein e Vasily Smyslov.

A partida seguinte, é a mais famosa deste encontro.

Mikhail Botvinnik - Mikhail Tal
World Championship 23th Moscovo (6), 26.03.1960
ECO: E69

1.c4 Cf6 2.Cf3 g6 3.g3 Bg7 4.Bg2 0-0 5.d4 d6 6.Cc3 Cbd7 7.0-0 e5 8.e4 c6 9.h3 Db6; As negras iniciam uma acção imediata sobre a casa "d4".

10.d5 cxd5 11.cxd5 Cc5 12.Ce1 Bd7 13.Cd3 Cxd3 14.Dxd3 Tfc8;
Nesta altura da partida Tal começou a vislumbrar a possibilidade de sacrificar um cavalo em "f4" !
O último lance das negras tem a ideia de manter protegido o peao "a7" e também para convencer as brancas que não havia pensamentos de ataque no flanco de rei.

15.Tb1 Ch5 16.Be3 Db4 17.De2 Tc4 18.Tfc1 Tac8 19.Rh2 f5 20.exf5 Bxf5 21.Ta1;


21...,Cf4?!
A avaliação é dada por mim.
Não considero analiticamente correcto este sacrificio.
Claro ! Na partida com o relógio em andamento e toda a pressão de uma partida de xadrez a este nivel, foi excelente !

[ 21...Cf6 "Viriatovitch" 22.Bxa7 b6 23.g4 Bd7 ]

22.gxf4 exf4 23.Bd2?;

[ 23.a3 "Viriatovitch" 23...Db3 24.Bxa7 ]

23...Dxb2; É curioso saber que apenas uma jogada depois do sacrificio as negras gastaram quinze minutos do seu tempo para efectuar este lance.
Esta é a confirmação de que, 21...,Cf4 se trata de um sacrificio intuitivo.
Ou seja, as negras não tinham calculado todas as variantes do principio ao fim.

24.Tab1 f3; As negras depositam todas as suas esperanças neste avanço.

25.Txb2?

[ 25.Bxf3= ]

25...fxe2 26.Tb3 Td4! 27.Be1 Be5+ 28.Rg1 Bf4;

[ 28...Txc3! 29.Tbxc3 Td1- + ]

29.Cxe2 Txc1 30.Cxd4;

[ 30.Cxc1 Bxc1 31.Bf3 b6, com clara vantagem das negras.

] 30...Txe1+ 31.Bf1 Be4- + 32.Ce2 Be5 33.f4 Bf6 34.Txb7 Bxd5 35.Tc7 Bxa2 36.Txa7 Bc4 37.Ta8+ Rf7 38.Ta7+ Re6 39.Ta3 d5 40.Rf2 Bh4+ 41.Rg2 Rd6 42.Cg3 Bxg3 43.Bxc4 dxc4 44.Rxg3 Rd5 45.Ta7 c3 46.Tc7 Rd4; aqui, a partida foi adiada, mas, não teve continuação por abandono de Botwinik.
0-1

Entre 15 de Março e 12 de Maio de 1961, disputou-se um match "revancha" entre Tal e Botwinik que assim conseguiu recuperar o titulo de Campeão Mundial de xadrez.
Graves problemas de saúde de Mikhail Tal, somados a uma excelente preparação do adversário resumiram a perda do ceptro.
Tal, nunca mais recuperaria o trono, mas, durante muito tempo, manteve-se entre os mais poderosos xadrezistas numa carreira que atravessou várias gerações de jogadores.


Mikhail Tal - Rene Martner Letelier
Capablanca Memorial, Havana (13), 1963
ECO: C75

1.e4 e5 2.Cf3 Cc6 3.Bb5 a6 4.Ba4 d6 5.c3 Bd7 6.d4 Cge7 7.Bb3 h6 8.Ch4 g5?; É obvio que este lance é incorrecto.
9.Dh5 Th7 10.Bxg5 exd4 11.f4!? Dc8 12.f5 dxc3 13.Cxc3 Ne5 14.Bf6 Cg8?;

[ 14...Cd3+; Este lance castigaria, em parte, o atrevido 11.f2-f4.
Por exemplo: 15.Rd2 Cg8 16.Bd4 c5 17.Be3 e ainda assim as brancas estão melhor. ]

15.Bxe5 dxe5 16.Cg6!?; Como Mikhail Tal, afirmou em certa ocasião,
"Às vezes calcular a denominada árvore de variantes não é dificil...É impossivel !

A genialidade de Tal não residia na longitude de calculo de variantes, mas sim, na avaliação posicional que efectuava.
Nesta partida isso fica claro a partir do lance 18 das brancas.

[ 16.Nf3 ]

16...Bd6 17.Bxf7+! Kxf7


18.Nd5!!;

Para chegar a esta posição, Tal rompeu o equilibrio material ao ceder um bispo por um peão, não sendo visivel compensação estratégica concreta.
No entanto, o genio de Riga, considerou que a força dos seus cavalos, apoiados por peças maiores, depois de, 19.0-0, seria suficiente para montar um ataque de mate.
Mikhail Tal, confiou nos principios gerais do jogo, no seu instinto e no exame de umas quantas continuações provaveis.
É dificil aceitar como boa para as brancas a posição resultante de 18.Cd5!!, porque, aparentemente, não há variantes concretas que demonstrem que as brancas ganham.
Tal, raciocinava de outra maneira;
Nao há variantes concretas que indiciem que as negras conseguem consolidar a sua posição !

18...Rg7 19.0-0 Cf6 20.Cxf6 Rxf6 21.Cxe5! De8

[ 21...Be8!; Dificultando a tarefa às brancas.
Ainda assim: 22.Cg6 Rg7 23.e5! Bxe5 24.f6+! Bxf6 25.Txf6! Dd8 26.Taf1! Dd4+ 27.T1f2 De4 28.Tf8 Td8 29.h3+- e as brancas têm vantagem decisiva. ]

22.Cxd7+ Txd7 23.e5+! Bxe5 24.Dxh6+ Rf7 25.Tae1 Td5 26.Dh7+ Rf6 27.Te4 Bd4+ 28.Rh1
1-0


Gedeon Barcza - Mikhail Tal
Tallinn Tallinn (4), 1971
ECO: A04/02

1.Cf3 g6 2.g3 Bg7 3.Bg2 e5 4.d3 d6 5.e4 Cc6 6.Cc3 Cge7 7.Be3 0-0 8.Dd2 Cd4 9.Ce2??; Depois deste movimento natural, só que, mau tácticamente, as brancas estão perdidas.

[ 9.0-0; 9.h4!? ]

9...Bh3! 10.Cfxd4 Bxg2 11.Tg1 exd4!; Ao atacar o bispo de "e3", as negras ficam com uma peça de vantagem.

12.Cxd4 c5 13.Cb5 Bf3; As brancas só têm um peão em troca da peça perdida e o que resta da partida poderia ser resumido em algo como "E as negras ganharam".
Para Mikhail Tal, eram importantes outros resumos; "Ganharam como ? De que forma ganharam as negras ?"
14.g4 d5!; No lugar de trocar lentamente as peças e evitar complicações, o inolvidável Tal, viu um golpe táctico com a sua peça de vantagem no meio-jogo.
Isto requeria um pouco de calculo arriscado, principalmente a jogada 18, mas, graças a este esforço, ficou assegurado que as negras ganhariam a partida ao lance 23 e não ao lance 43 ou outro superior.

15.Bxc5 Tc8 16.Ba3 dxe4; Tal, ao contrário de outros grandes xadrezistas da sua época tinha a fabulosa capacidade de resolver efectivamente as posições através do calculo.

17.dxe4;


17...,Db6!

18.Bxe7 Dxb5! 19.Bxf8 Dxb2!;
As negras devolvem muito mais material do que aquele que ganharam !
Tal, soube calcular que mesmo tendo um peão e uma qualidade de desvantagem, as suas ameaças resultariam decisivas !

20.Bxg7 Kxg7 21.Tc1 Td8!; Daqui para a frente as variantes a calcular são curtas.

22.De3; As negras têm mate em 6 !

22...Dxc2! 23.Rf1 Td1+ E as brancas abandonaram.
0:1
Desta forma, Tal evitou ter de jogar um final e transformou a sua fácil victória, em uma obra de arte exclusiva para amantes do jogo dos reis.

EPILOGO:
Firmeza de Alma é conservar a razão nos momentos de crise, e nenhum xadrezista poderia espelhar melhor essa definição do que Mikhail Tal.
Com Tal, recomendavam os treinadores dos outros mestres, não se deve aceitar empate depois de quatro horas de jogo.
Uma referência ao seu problema de rins que o cansava depois desse período (certa vez, ele foi retirado à pressa, da mesa de jogo para uma sala de operações).
Em resposta ele lembrava a frase de Mark Twain:;
"As notícias sobre a minha morte estão algo exageradas" !

Muitas são as estórias extraordinárias que se contam dele.
A dos "sapatos teóricos" é a minha preferida.
Mikhail Tahl, era cheio de truques engraçados.
Certa vez, durante um torneio, acordou cedo para passear num belo lago.
Mas, deixou um par de sapatos na porta do quarto do hotel para que o seu adversário da tarde pensasse que ele estava dentro estudando a abertura que iria utilizar mais logo na partida !

Gênios são pessoas especiais. Tal, estava muito à frente do seu tempo.
Ele fez do risco e da intuição as principais forças a guiá-lo no tabuleiro.
Todos os grandes jogadores de xadrez, que lhe seguiram, têm um débito para com ele.
Sua herança é parte da cultura humana.
O seu legado permanece inexplorado e à espera de um aprofundamento e pesquisa sistemática.

As suas maravilhosas combinações, difíceis de serem apreendidas, mesmo por mestres de grande porte, são excedidas, contudo, pelo seu brilhantismo pessoal.
Caso usemos os estágios bíblicos pelo qual o ser humano pode ser julgado:
A cólera, o número de amigos e o apego aos bens materiais, teremos uma ideia do homem.
Nunca ninguém o viu colérico; os seus amigos foram mais do que numerosos e ele nunca teve qualquer amor pelo dinheiro.
Acrescente-se a isto a sua criativa inspiração.

Mikhail Tal, era um desses raríssimos homens a quem Deus negou o elementar e primitivo direito de ser mesquinho.
De vez em quando, ele perdia ou empatava com um principiante, apenas para fazê-lo feliz ou para que ninguém desconfiasse de sua condição sobre-humana.
Não se pode pedir mais.


Mikhail Tal, foi enterrado no cemitério judio de Riga, depois de falecer num hospital moscovita em 1992, aos cinquenta e cinco anos de idade.
Morreu o homem.
A sua lenda e o seu legado são eternos e permitem coisas tão simples como esta humilde homenagem que lhe faço aqui.



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