28/09/08

XADREZ E VIAGENS - POR NICHOLAS LANIER

Este artigo foi escrito para o blogue Viriatovitch Chess por Nicholas Lanier.
A edição e inserção de imagens é de António Viriato Ferreira.
O seu conteúdo tem direitos de copyright.


NICHOLAS LANIER - VIRIATOVITCH CHESS

VIAJANDO COM O XADREZ

Sempre me pareceu evidente que entre o xadrez e as viagens existe uma relaçâo promiscua e bastante forte.
Nâo só observando os profissionais e semi-profissionais que costumam aparecer nos torneios abertos, sempre exaustos de viagens complicadas, mal arranjados, pior lavados, e sempre à caça de – um cache modesto, um premiozito ainda mais modesto ?
Ou simplesmente a prosseguir o fado deles, de visitar com devoção maníaca, qualquer local e evento onde se pode medir as forças mentais e a garra competitiva através dum tabuleiro axadrezado ?

Autenticos cavaleiros andantes, heróes de seguir o seu destino impávidamente, contra ventos e marés, seja até como ocorre muitas vezes com um arzinho de andar atacando moinhos de vento...
o lema destes percursos imensos, que faz um Kornejew, um Lalic, um Mitkov, um Jepishin ou um Movsesjan, para mencionar só alguns conhecidos da praça, muitas vezes parece a máxima budista “O caminho é o alvo”...

Mas, nâo é o circuito de torneios internacionais, nem os seguidores e competidores que os povoam que para mim suportam a vertente nómada e universal do xadrez. Evidentemente, quem se quer medir a serio na arena tem que pôr-se ao caminho...
Seja para chegar a um torneio mais perto, como em Vale de Cambra, em Montemor-O-Velho, no Porto, Lisboa, Odemira, etc
– Ou para uma aventura algo maior na Galiza, em La Mancha de Espanha, para a Catalunha ou até França , Alemanha ou Moscovo.


MOSCOVO - VIRIATOVITCH CHESS

Se, o xadrez serve de motivo de viagem, a viagem serve para apimentar o rumo final.
O momento quando ritualmente nos vamos sentar em frente ás peças perante um oponente desconhecido, e começa a imersâo meditativa no embate.

Minha primeira viagem a um torneio foi algo rocambolesca
– logo uma caravana imensa do Algarve –
onde tinha justamente acabado de me fixar – até à longinqua Oviedo nas Asturias, para o famoso mega-torneio que neste ano se ia celebrar pela ultima vez.
Sem carro, e nâo conhecendo a malta algarvia que la ia tambem, fui de camioneta para Vila Real de Santo Antonio.
Atravessei o rio de barco, fui de camioneta para Huelva, peguei no comboiozito para Sevilha, agarrei outro para Madrid (ainda nâo havia AVE nesta altura...).
Passei uma noite numa pensâo no centro em Madrid, e apanhei o comboio para as Asturias no dia seguinte.

Grande viagem: carruagens gastas, um caminho de ferro evidentemente necessitado de arranjo.
Com o comboio a saltitar á 50 km á hora como nem uma cabra, as planuras da Castilha Leonesa...enfim, cheguei a Oviedo.
Joguei o torneio, vi todos os grandes do xadrez - Beljavski, Spasski, Karpov, as Polgars todas, Ivanchuk, Romanishin, Timman, Lyubojevic e centenas outras – e conheci os Portugueses, Galvâo, Fernandes, Armando Lopes, o Spraggett, etc.
Festas nocturnas de cidra a voar em fontainha da jarra para os copos, passeios no Oviedo medieval , o Hernandez colecionador de impressos de xadrez, um autêntico fanático !
Nunca esqueço nem quero esquecer, um verdadeiro baptismo de fogo para mim.

Mais tarde, cheguei a outros torneios...


WASHINGTON DC - VIRIATOVITCH CHESS

Joguei um em Washington DC na cave de um Hotel de luxo, o Great Eastern, enfrentando Mestres como Larry Kaufman e Grandes Mestres como Yermolinski, Dimitri Gurevich...
“Good move you made there” depois de ter ganho a partida...
Dei mate a um jugador conhecido da terra que depois me perguntou:
“Who the hell are you ?”
E o vendedor de livros que lá desapareceu debaixo da mesa de venda para fazer uma soneca, com a mulher continuando calmamente a vender livros em cima...
Foi um torneio de duas sessôes lentas por dia.
10 horas de jogo !
Os mestres iam se desfazendo, tirando meias, sapatos, gravatas, abrindo camisas e calças, um cheiro de ginasio, chulé e casa de banho a pairar na sala….

Fui, ainda a mais torneios depois de começar a vender livros e material, e fiz percursos imensos por toda a Espanha e Portugal, sempre ao volante dum veiculo carregado com caixas e caixas e caixas...

Em Pamplona, passei um Natal algo apagado, no torneio da cidade onde o jovem Morosevich contrariou o favoritismo atribuido, porque empatou duas vezes no incio.
È verdade que ganhou o resto das partidas e o torneio tambem, facilmente até.
A Campeã do mundo em vigor Xie Jun nâo granjeou muita admiraçâo ou atençâo da parte dos jogadores ou dos media – fez um torneio para esquecer, acabando no fundo da tabela.

Uma vertente que sempre cultivei
– e que me dá a ideia que o xadrez é como uma especie de tapete voador no Mundo –
foi visitar sempre que possivel clubes de xadrez em terras distintas, ou pelo menos bares ou cafés onde se jogava.


LONDRES - VIRIATOVITCH CHESS

Em Londres, ano de 1988, passando uma semana num curso , fui á procura dos famosos clubes, parei em frente do Simpsons Divan – hoje um restaurante exclusivo, longe dos tempos aureos quando aí se encontravam os maiores xadrezistas do Mundo – e finalmente cheguei a um "pub" chamado Kings Head ao Norte do Hyde Park.
Mal entrei, ja la estavam os cabeludos Speelman e Mestel, o Keene, Hartston e Miles, e o ainda adolescente Nigel Short.
Na osbcuridade, a abarrotar de gente vislumbravam-se algumas mesas com relógios e peças, e gente como o MI Norwood ou o Taulbut a jogar entre exclamaçôes a berros.
Eu nâo cheguei a tentar a minha sorte com os "canhôes", por pena
– fiquei a jogar rapidinhas com uma senhora, supostamente muito forte, ganhando distraidamente, enquanto espreitava pela turba xadrezistica a pulular nas sombras do local.


ROMA - VIRIATOVITCH CHESS

Numa outra altura estive em Roma, e fui á procura do Circolo "Scacchistico" da Cidade
– tambem o encontrei depois de errar por horas nas avenidas perto da Villa Borghese – numa casa simpatica residencial, com jardim em frente – só que estava fechada!
- Grande séca.


VENEZA - VIRIATOVITCH CHESS

Em Veneza, consegui chegar ao clube onde o grande Esteban Canal passava a maior parte da sua vida a jogar, e onde havia fotografias e recordaçôes dele.
Para la chegar, atravessava-se, nesta tarde soleira, pontes e canais, ruelas estreitas e praçetas redondas, finalmente uma casa medieval de dois andares, um túnel, um quintal de pedra interior, escadas gastas em caracol – e eis o pequeno clube aconchegador, com quatro ou cinco jogadores a bater nos relogios – gente minha , pela paixão em comum !
Foi a uma festazinha privar com essa gente, embora só por breve – tinha que deixar a Cidade Encantada na manhâ seguinte !

De facto, sempre experiencei um sentimento imediato de estar entre amigos ou quase em familia, realizando destas vistas á clubes etc.
Vi e senti que o xadrez me abriu portas, me arranjava amigos e conselheiros em terra alheia, que doutra maneira, sendo eu um pombo de passagem, dificilmente teria encontrado.


MUNIQUE - VIRIATOVITCH CHESS

Em Munique, fui ter a um café – mais taberna de cerveja – onde os “tubarôes” e peixinhos do xadrez capitalino costumavam aparecer.
Perdi algum dinheiro em rapidinhas por dinheiro, um marco por partida com direito de dobrar e redobrar – e passei horas entretidas com estes xadrezistas que se faziam acompanhar por canecas imensas de cerveja – e as vezes femeas com cara de sofrimento….

Numa viagem pela Asia Central, estive sentado em frente das madrasas imponentes de Samarkand, a jogar xadrez num parque com uns populares, comendo meloas succulentas - tudo bem comportadinho embora nâo tenha conseguido falar muito com eles.
Eu nâo soube falar russo, nem "usbekque" ou "farsi" – eles não falam ingles, francês, etc – falavamos xadrez.

Jogavam pouco...até aparecer um velhote sem dentes, que pensava mais profundamente, e jogava excelentamente.
Anos depois, reconheci o homem de uma revista – tinha emigrado para Israel e se tornado num Grande Mestre, de nome Kantsler.

Até fui de camioneta para um burgo no deserto, famoso pela sua historia e edificios antigos, e na sombra da mesquita local, num "Chai Kane" (casa de chá) passei uma tarde soalheira a jogar partidas contra todos, até o Muezzin chamar do alto do minarete para as oraçôes.
Num instante , despareceu o tabuleiro, e com um adeus fugaz tambem os meus amigos. No regresso ao Hotel, esperavam-me 14 jogadores diferentes – a Policia !
Por me ter atrevido a viajar a uma povoaçâo perto dos campos experimentais nucleares, no deserto vermelho de Qara-Qum !


BAKU - VIRIATOVITCH CHESS

Continuando esta viagem de comboio para Baku, encontrei uns armenios, vendedores ou contrabandistas ambulantes de Cognac armeniano, com os quais passei horas a fio a jogar xadrez, bebericando chá e cognac.
Da porta do compartimento, mirones pendurados a comentarem ás nossas jogadas, ou a querem entrar na contenda.
Incrivel !

O mesmo tinha acontecido anos antes nos comboios nos Balcãs, onde cada vez que tirava um tabuleiro de xadrez de bolso para ver uma partida – logo começava uma ronda de jogo envolvendo o compartimento inteiro!
De facto, além da antiga cortina de ferro, o xadrez tem outra importancia na vida social...em cada café é possivel emprestar peças e tabuleiro.

Tambem existem muitas outra maneiras de viajar com xadrez.
Um colecionador ingles que conheço faz visitas regulares á Paris, para visitar as duzias de feiras da ladra aí existentes e procurar jogos raros, peças suplentes, objectos relacionados com xadrez.
Vai de comboio, e de ferry-boat, faz uma viagem romantica, apimentada ainda pelas provaveis descobertas e tesouros, visita a um Museu ou outro, come á Francesa, visita os jogadores de ar livre nas Tuileries ou no jardim Luxembourg...
escapadelas espectaculares !

Outros colecionistas estadunitenses nâo se inibem de ir a Londres cada vez que haja um leilão importante de peças ou outros artefactos de xadrez na Phillips, Sothebys, Christies ou outras leiloeiras, para ver e tentar adquirir.

Procurando nas minhas memorias, tantas vezes o xadrez em viagem me abriu portas, me ajudou a encontrar o caminho, granjeou-me instantaneas simpatias
– só tocando a viola penso que podia ter aproveitado mais !
E assim, fiquei com a certeza que o xadrez é um dos passaportes por esse Mundo, e quem o possua devia mostra-lo em todo sitio, e verificar o efeito quase magico que aparece logo que uma pessoa se identifique como jogador ou conhecedor.

Temos que fazer o maximo para equipar outros, em especial os jovens, com esta vara magica, para dar–lhes mais um instrumento para passar bem nesta vida que temos.
E para nós xadrezistas, evidente, sem sermos obsessivos, convém disfrutar da melhor maneira do nosso talento e da nossa cidadania no mundo de xadrez
– viajando em casa pelo País ou estrangeiro fora -
porqué “O caminho é o alvo” !

Nicholas Lanier

AL SHARANDS CHESS OUTFITTERS

Do mesmo autor:
Marinha Grande - Chess And Fun In Portugal (Chessbase News)
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