25/10/08

100 ENDGAMES YOU MUST KNOW - CRITICA AO LIVRO - POR RUI MARQUES


Outro livro recente é 100 Engames You Must Know, a tradução inglesa do livro espanhol 100 Finales Que Hay Que Saber, do GM espanhol Jesús de la Villa.

Trata-se de um livro sobre finais teóricos, daqueles que já estão analisados pelo computador até ao fim, e que, reza a tradição, é necessário ter na ponta dos dedos para jogar bem.

A primeira coisa que eu gostei do livro, foi da introdução, em que o autor começa por pôr em perspectiva a importância do estudo dos finais, chamando à atenção que as partidas entre jogadores menos experimentados chegam normalmente ao final com uma vantagem demasiado grande para um dos lados, bastando algum bom senso e um conhecimento dos mates básicos para o jogador em vantagem consiga ganhar o jogo.

Mas o facto, é que à medida que a força de jogo vai aumentando, o jogador em desvantagem vai dando mais luta, e a partir de um certo nível, consegue frequentemente levar a partida para um final, que apesar de desvantajoso, exige técnica para ser ganho.
E uma das componentes desta técnica é conhecer os finais mais simples
(com menos peças),
de modo a poder conduzir o jogo com confiança para um deles e conseguir transformá-lo numa vitória
(ou num empate, no caso de se estar em desvantagem).

Existem vários livros sobre estes finais.
O problema é que, na maioria, ou são livros que só abordam os finais mais básicos, ou são autênticos “tomos enciclopédicos” que no mínimo assustam qualquer jogador médio.
Ora vejamos as características “normais” destes tomos:

- Volumosos – cerca de 400 páginas – quem é que tem tempo/paciência para ler/pesquisar, se não for um jogador de carreira?
- Ciêntificos – Normalmente os autores preocupam-se muito em fornecer a verdade exacta das posições de forma concisa sem atender a que o jogador prático vai precisar de se lembrar da informação durante a partida, e precisa de a memorizar.
Ou seja, abordam o tema na forma das demonstrações matemáticas.
- Densos e impenetráveis – normalmente é preciso para um bom jogador uma boa dose de trabalho e alguma capacidade, só para compreender as análises publicadas.

Como o leitor já deve ter adivinhado, este livro é bem o contrário.
Selecciona um número relativamante pequeno (100) de finais a estudar.
Tem 250 páginas, mas tal deve-se mais ao estilo leve da edição e das análises que recorrem a numerosas explicações verbais.
O autor trata o jogo como um desporto e preocupa-se em dar regras fáceis de memorizar, de forma a poderem ser utéis durante uma partida.

O livro começa com uma introdução, sobre a atitude para estudar os finais e algumas análises estatisticas da frequência da ocorrência de alguns finais.
Seguem-se 9 finais básicos – rei e peão contra rei, torre contra bispo, etc.
Segue-se o teste básico.
Este teste é muito interessante, porque é relativamente dificil para quem não saiba o que é ensinado na parte seguinte do livro, mas é bastante fácil para quem o saiba. Pelo que serve para saber se o leitor tem alguma coisa a aprender com o livro, e em que capítulos se deve concentrar.
Depois de ler o livro, pode fazer o teste outra vez e ver os resultados...

Depois vem a parte principal do livro, com um capítulo para cada relação de material.
Eu achei os capítulos de Dama contra peão, Torre contra peão, Cavalo contra peão, Torre e peão contra Torre, Bispo e peão contra Bispo e finais de peões bastante acessíveis, para qualquer nível de jogador, com excelentes explicações verbais e boas regras para memorizar as coisas mais importantes.
E aprendi umas coisas...
Os outros capítulos, por exemplo, Torre e dois peões contra Torre – são de dificuldade maior
(torre peões f e h contra torre é um caso notório)
mas justificam-se dado a sua grande importância prática.
No entanto, as análises são acessíveis para um jogador médio, mas já exigem algum trabalho.
É incluído o mate de Bispo e Cavalo contra Rei, não tanto por importância prática como por cultura xadrezística – muitos GMs já foram para casa vermelhos por não ter conseguido dar este mate!
Não são cobertas algumas relações de material, por exemplo, Dama e peão contra Dama e Dama contra Torre - que, diga-se, são bastante difíceis - mas afinal a linha de divisão tinha de estar nalgum lado...
para não chegarmos às tais 400 páginas!

Depois aparece o teste final, que é bem mais difícil.
No fim é apresentada uma lista de fortalezas, que também é do maior interesse prático e o autor conclui com bibliografia para os interessados em progredir no estudo dos finais (em que, entre outros se incluem os tais tomos enciclopédicos sobre finais teóricos...)
Resumindo, trata-se de um livro para jogadores ambiciosos, que já dominam os finais mais básicos, mas que ainda não têm o estímulo para trabalhar com obras mais exigentes.
Nomeadamente vários jogadores de força de 2000 ou mais de elo, algo ignorantes em finais teóricos, teriam muito a aprender com o livro, sem demasiado esforço. Jogadores bastante mais fracos que tenham gosto por finais podem também tirar bastante do livro.

Para ilustrar a importância que têm estes finais concluo com um exemplo da minha prática.
Este exemplo, que vem no livro
(Ending 38, pag 98),
não é dos mais importantes, e até é relativamente dificil.
No entanto, mostra que o conhecimento destes finais pode ter importância decisiva, dado um certo nível de jogo.

(6) Marques,Rui (2123) - Van den Berg,Imme (2110)
Nacional 3ª Divisão - Fase Final, Évora Hotel, 05.08.2007

O lance anterior do meu adversário (Rd7) surpreendeu-me.
Não porque seja um lance estranho, mas porque eu estava à espera que ele abandonasse.
Agora, vou lhe comer o bispo e depois?
Aí lembrei-me que o meu rei ficava preso no canto, e como o cavalo não pode perder tempos, ele oscilaria o seu rei entre f7 e f8, sem me deixar progredir.
Um final teórico!

Com pouco tempo, e algumas vagas recordações de que este final estava ganho, lá tentei descobrir uma maneira de ganhar.
Como não consegui, decidi fazer uns lances, para tentar baralhar o meu adversário, a ver se, por milagre, aparecia no tabuleiro alguma chance de ganho suficientemente fácil para eu conseguir concretizar.

68.Cg7?!
[O método de ganho, descoberto por Horwitz no Sec XIX, é 68.Rf8 Rd8 69.Cf4! Rd7 (69...Bb2 70.Ce6+ Rd7 71.Cg7) 70.Rg8! Re8 (70...Re7 71.Cg6+) 71.Ch5! Re7 72.Cg7! as pretas estão em zugzwang! Curiosamente se fossem as brancas a jogar o jogo estava empatado... 72...Rf6 73.Rxh8 Rf7 74.Ce6! e ganha;
mas não 68.Rg8?? que desperdiça a vitória 68...Re8! 69.Rxh8 Rf8!=



Foi esta a conclusão da partida (com as cores invertidas) Stein - Dorfman, URSS 1970! (Dvoretsky Endgame Manual, 2ªed, pag 121)]
68...Rd6
69.Ce8+ Rd7
70.Rf8 Re6?
As tácticas de confundir o adversário deram resultado! Afinal o meu adversário também não estava assim tão familiarizado com este final. [70...Rd8! era a defesa tenaz, depois do que eu provavelmente não teria conseguido ganhar o jogo]
71.Rg8! Re7
72.Cd6!
[72.Cg7!]
72...Re6
[72...Rxd6 73.Rxh8; 72...Rf6 73.Rxh8; 72...Bb2 73.Cf5+ Re8 74.Cg7+]
1-0

Quero acrescentar que este final teve um sabor especial porque selou a vitória do GX Alekhine no Campeonato Nacional da 3ª Divisão em 2007.


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2 comentários:

  1. Grande Rui!
    O artigo é mesmo bom, e aquele jogo da Final, memorável.
    Abraço
    AE

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  2. Pois parece que os leitores não estão com muita atenção!
    Na variante do Rei contra Cavalo e Peão (equivalente à partida Stein - Dorfman) o lance que empata não é Rf8?? mas sim Rf7!

    Isto porque o Rei tem sempre que estar na casa em que leva xeque do cavalo - senão o cavalo controla (dá xeque!) à outra casa - e o rei tem de deixar o outro sair do canto!

    Foi assim que o Stein jogou...

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